O meu amor é distraído, nem imagina como vivo por ele, que
em noites de lua cheia, a água em mim serpenteia e vai e volta batendo no
espelho em que me olho para que ele me veja. O meu amor é ocupado, nem sabe
como e o que faço para o entreter em minhas teias, para que ele se lembre que
eu existo e estou aqui e fervo. E não sabe como eu me pinto e bordo, como me
enfeito, e, para todo o efeito, permanece sem saber. Sem saber das veias, das
meias em que me enfio para aquecer meu frio, e não sabe que eu ando também
distraída, às vezes me sinto traída e isso tudo porque ele dorme. E ando pela
casa de um lado para o outro, vou à varanda, me espreguiço na rede e quando
olho a cidade, pontinhos brilhantes ao longe é seu olhar que vejo, a desfilar e
dançar bem em frente a mim. Meu amor não sabe que vou ao quarto, abro o armário
e boto pra fora todos os cheiros, todo o esmero, toda beleza guardada em potes
de diferentes formas como é diferente a forma como o amo. Ele não me vê em meu
atelier desfiando tintas e sonhos e nem dá atenção aos poemas, onde me exponho.
Meu amor não sabe que em meu pensamento eu o invento, eu o transformo e ainda
penso em rebentos. Ele nem sabe que depois de suspiros e providências, penso
umas indecências, subo pelas paredes, escrevo cartas de amor. Meu amor não
imagina que ando voando por ruas desertas, sempre alerta ao que há de vir. Ele
não sabe porque me conhece bem. Meu amor é assim mesmo, distraído. Nem escuta o
estampido que vem do meu coração, que é dele.
Luciana Silveira
Luciana Silveira
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